Especialistas explicam por que João Guilherme, João Lucas, Juliano Floss e mais famosos recebem mensagens sobre a sexualidade quando usam peças consideradas femininas.
- “Daqui a pouco tá usando maquiagem”
- “Sai do armário, meu filho”
- “Amigo, você tem que sair do armário”
Esses são só alguns comentários que aparecem nas redes sociais do ator João Guilherme, do cantor João Lucas e do influencer Juliano Floss.
E o que os três têm em comum para receberem essas mensagens? São homens que usam alguns signos considerados femininos, como cropped, maquiagem e esmalte.
Na última semana, João Lucas chamou a atenção ao responder o comentário que dizia que em breve ele estaria usando maquiagem.
“Daqui a pouco, não. Eu já uso com frequência. Inclusive a Sasha que faz em mim”, afirmou o marido da estilista Sasha, filha da apresentadora Xuxa.
João Guilherme também já rebateu diversas vezes os comentários que recebe a cada vez que aparece vestindo um cropped.
Na mais recente delas, ele citou o comediante Nego Di, que criticou a peça usada pelo ator e fez insinuações sobre sua a sexualidade.
“A tentativa de me ofender ao dizer que eu sou gay não só não me ofende nem um tiquinho [sic], como me dá ainda mais vontade de ser um aliado presente e ativo da causa. Homofobia é crime. O vídeo do ‘comediante’ é discriminação fantasiada de piada, e é importante que isso fique claro.”
Também adepto do cropped, Juliano Floss, que completou 20 anos nesta terça-feira (11), já falou sobre o fato de questionarem constantemente sua sexualidade. Não apenas pela escolha de peças de roupas, mas por ele ser dançarino.
“Muita gente acha que sou gay porque eu danço. Tem muito desse preconceito assim. A única coisa que me enche o saco na internet, é isso. No começo eu ficava chateado”, afirmou ele durante participação no “PodDelas”.
“Já teve parente que chegou pra mim e disse que dançar era coisa de menininha. Primo meu que já falou que é coisa de mulherzinha.”
Mas por que tantos questionamentos?
Mas por que o fato de homens usarem signos culturais tidos como femininos gera incômodo em algumas pessoas?
Segundo Leandro Colling, professor da UFBA e pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades (NuCuS), “o incômodo ocorre porque a nossa sociedade sexualiza e generifica, não apenas os nossos corpos, mas também tudo o que fazemos com os nossos corpos e o que usamos nele.”
“As roupas, acessórios, demais produtos, ou mesmo o corte do cabelo, a definição da sobrancelha, tudo é determinado por normas bem binárias sobre sexualidade e gênero”, explica.
No entanto, nas últimas décadas, muitas pessoas estão questionando essas regras binárias, e o próprio mercado de cosmético e vestuário já entendeu esse movimento e está capitalizando em cima dessas transformações sociais, cita Leandro.
“Temos visto muitos homens heterossexuais cisgêneros usando roupas, maquiagem, esmalte nas unhas e demais produtos que eram tidos como exclusivamente femininos.”
“Ao fazer isso, quem pensa por uma lógica binária, questiona tanto a sexualidade quanto o gênero desses homens. ‘Se está fazendo isso é porque é gay ou trans? Isso não é coisa de homem de verdade’, dizem as pessoas, pois esse ‘homem de verdade’ tem que seguir um script muito rígido e definido.”
Não é de hoje
Pedro Ambra, Professor de Psicologia da PUC-SP, usa o termo “mito viril” para explicar o porquê o uso de roupas, vestimentas e traços tidos como femininos em corpos masculinos assusta parte da sociedade.
“A partir da modernidade, se constitui uma ideia de que houve um momento dourado da masculinidade no passado.” Pedro cita que isso é uma ficção. “Historicamente isso nunca existiu. Mas a gente projeta essa virilidade e vive atrás dela.”
“Em geral, os comentários em redes sociais e fora delas, que criticam esse tipo de trânsito com insígnias de outros gêneros, são reações a essa ficção segundo a qual teria havido uma masculinidade de verdade e, agora, os homens estão deixando e perdendo essa virilidade”, explica o professor, que é autor do livro “O que É um Homem? Psicanálise e História da Masculinidade no Ocidente” (Ed. Zagodoni).
Ele ainda relembra que as cortes francesas do século XVI, XVII, e XVIII e XIX trajavam roupas que, hoje, tenderiam a ser consideradas femininas.
“E aquilo era, na época deles, codificado como masculino. Ou mesmo os famosos cropped, que até os anos 70 eram plenamente utilizados por homens que se colocariam como hétero ou viris.”
Um cropped é só um cropped
Pedro ainda destaca que essas mudanças culturais não vão alterar outras estruturas de gênero tão marcantes na sociedade.
“Esse modo de usar algumas insígnias, que há princípios são mais atribuídas ao gênero feminino, em homens, não necessariamente é uma desconstrução radical da masculinidade.”
“Porque, no fundo, um batom é só um batom. Um cropped é só um cropped”, diz o professor. E no final, “homens vão continuar, em geral — em especial se forem brancos, recebendo muito mais do que mulheres, e mulheres vão continuar, mesmo se usarem roupas masculinas, sofrendo muito mais possibilidade de serem estupradas na rua.” fonte:G1